Seu título oficial é Diabo, mas ele tem vários nomes: Satanás, Lúcifer, Belial ou Belzebu. Nos primeiros séculos do cristianismo houve pouca necessidade de se fazer representações desse personagem na arte religiosa. Nessa fase inicial, os cristãos consideravam os deuses pagãos, a exemplo do grego Pã, como demônios. Doenças, desastres naturais, guerras e tudo o que de ruim existisse era culpa deles.
Foram necessárias algumas centenas de anos até que Satanás surgisse na arte ocidental. Essas primeiras representações tinham muitas semelhanças com os deuses pagãos, a exemplo das pernas de cabra de Pã e os pelos faciais de Bes, uma divindade egípcia.
Diabo humano
Edin Sued Abumanssur, professor de Teologia e Ciências da Religião da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), em entrevista à BBC, destaca que até o século XI, a figura do Diabo era quase sempre representada com características humanas.
(Fonte: Mystic Post/ Reprodução)
Segundo o professor, ao longo dos séculos, é evidente existir uma relação entre questões sociais, interesses diversos, política e a maneira como Satanás é representado.
Para os primeiros autores cristãos, como Santo Agostinho, o Diabo era apenas um anjo caído. Ou seja, era um ser ruim apenas por ter se revoltado contra seu criador. No entanto, sua substância angelical foi mantida. Além disso, não era uma criatura física.
Todavia, se desejasse assumir forma física, ele poderia escolher a aparência menos maléfica possível, como a de uma criança, alguma forma sagrada ou uma mulher, de modo a melhor conseguir enganar suas vítimas. No entanto, na Idade Média, muitos artistas passaram considerar que as representações de Satanás deveriam ser mais aterrorizantes.
Diabo medieval
Foi na Idade das Trevas que as características mais famosas e reconhecíveis do Diabo surgiram. Também foi nesse período que a mudança mais drástica desse personagem bíblico aconteceu.
(Fonte: Threat Post/ Reprodução
Vale lembrar que estamos falando sobre uma época da humanidade caracterizada por imensas dificuldades, cenário que piorou com o surgimento da Peste Negra, que ceifou a vida de milhões de pessoas na Europa do século XIV.
E, claro, com a Igreja sendo incapaz de proteger seus fiéis da doença, as representações artísticas de Satanás se voltaram para os horrores infernais, refletindo o clima sobre o que estava acontecendo e lembrando aos crentes da época a importância de não pecar.
Novamente, a arte nos permite fazer comparações entre os Diabos de épocas diferentes. Por exemplo, na Basílica de Sant'Apollinare Nuovo em Ravenna, Itália, há um mosaico do século VI que mostra o Juízo Final. Ali, a figura de Satanás é representada como um anjo azul etéreo. Obviamente, essa imagem até sensível e bonita do Diabo foi deixada de lado nos séculos posteriores.
O Anjo Caído. (Fonte: National Debat/ Reprodução)
Ainda no início da Idade da Média, Satanás tinha uma aparência e um papel mais parecido ao descrito no Antigo Testamento, isto é, um adversário de Deus, mas não um inimigo em constante atividade.
Mas, como observamos, as desgraças, guerras e a peste da Idade Média fizeram Satanás evoluir durante esse período para uma entidade cujo foco principal era atormentar a maior quantidade de almas humanas possível. E claro que não dá para fazer isso com uma cara boazinha.
Um Diabo político
No decorrer dos séculos, associar o Diabo a qualquer coisa, pessoa ou grupo considerado inimigo do cristianismo, seja dentro ou fora da Igreja, se tornou uma tradição persistente.
Com a Reforma Protestante no século XVI, católicos e protestantes começaram a se acusar mutuamente de serem seguidores do Diabo. Nessa época, era comum o uso de imagens grotescas e lúdicas para mostrar o quanto o outro lado estava ligado ao demônio.
(Fonte: National Debat/ Reprodução)
Atualmente, Satanás é sofisticado e, por vezes, tem até a função de entreter a plateia ocupando o centro do palco. Mais uma vez, sem abandonar a tradição de ser relacionado aos inimigos dessa ou daquela crença. Em alguns casos até surge como tendo preferência por certas ideologias políticas.
A representação de Lúcifer na série da Netflix (Fonte: Netflix/Reprodução)
Talvez, no final das contas, mais que uma criatura ou símbolo do mal, Satanás seja a maior e mais eficiente ferramenta de marketing já descoberta, afinal, não importa a época, sempre é possível usá-lo para algum fim.
Mín. 22° Máx. 23°