Nos últimos dias a tensão na fronteira entre a Rússia e a Ucrânia mobilizou a atenção do mundo. O governo russo comunicou a retirada de tropas da região e também da Crimeia, península ucraniana anexada por Moscou em 2014. Apesar disso, a grande presença militar russa ainda alimenta temores de uma invasão da Ucrânia, já que a Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) não retirou o convite para que o país faça parte da aliança militar.
Os Estados Unidos e a Otan advertem que não existem sinais de uma desescalada militar no Leste Europeu. Um funcionário de alto escalão do governo americano afirmou que a Rússia enviou 7.000 novos soldados para a fronteira com a Ucrânia. A estimativa inicial dos americanos era que a região tivesse pelo menos 100 mil soldados russos, mas esse número pode estar perto dos 150 mil.
Nesse cenário de atrito entre a Rússia e países do Ocidente sobre a Ucrânia, quais são as perdas e os ganhos alcançados pelos países envolvidos?
Para Gunther Rudzit, professor do curso de relações internacionais da ESPM, uma guerra não vai acontecer. “Em nenhum momento esse foi o objetivo do presidente russo Vladimir Putin. Ele conseguiu o que queria, ou seja, o Ocidente foi até ele e se comprometeu a fazer uma rediscussão sobre a estrutura de segurança da Europa.”
Putin recebeu em Moscou o presidente da França, Emmanuel Macron, o chanceler alemão, Olaf Scholz, e participou de uma conversa por telefone com o presidente americano, Joe Biden, para tratar sobre o impasse na Ucrânia.
“O presidente russo deve sair da crise fortalecido tanto internacionalmente quanto internamente, porque conseguiu o que a população russa gosta: o país é tratado como uma grande potência”, diz Rudzit.
França e Alemanha
Em um ano de eleições presidenciais, o líder francês assumiu o papel de mediador entre a Rússia e a Otan. Para o especialista, Macron viu o fato de seu país estar na presidência rotativa da União Europeia como uma oportunidade de facilitar a projeção de sua imagem de liderança perante os europeus, uma vez que essa foi a primeira grande crise após os 16 anos da era Merkel.
Rudzit destaca também que Olaf Scholz, atual chanceler da Alemanha, teve sua imagem enfraquecida. “Ele assumiu faz pouquíssimo tempo, seu governo não estava preparado para uma crise tão grave, então demorou para agir, o que o fez continuar recebendo muitas críticas.”
Futuro da Ucrânia
Já a Ucrânia, ex-república soviética que luta para se desvincular de seu passado relacionado aos russos, serviu de palco para o conflito entre Rússia e Estados Unidos. Assombrado pelas regiões separatistas de Donetsk e Lugansk e tentando superar a anexação da península da Crimeia pelos russos, o país segue lutando para garantir sua soberania e estreitou os laços com nações ocidentais.
Em meio à crise, a Ucrânia recebeu muito aparato militar de países europeus e 650 milhões de dólares dos Estados Unidos. Ocorreram, inclusive, treinamentos militares para civis, e adolescentes chegaram a cavar trincheiras para ajudar os soldados em locais próximos da zona dominada por separatistas pró-Rússia.
“Eles vão sair da crise fortalecidos principalmente em termos de política interna. Os ucranianos não se desesperaram, estavam dispostos a morrer pelo país. O presidente Volodymyr Zelensky também sai fortalecido perante sua população e, além disso, o país recebeu equipamentos e houve um incremento do orçamento militar”, relata o professor.
EUA e Otan
Os Estados Unidos se recusam a acreditar nas recentes declarações de que o exército russo está saindo da fronteira ucraniana, e o presidente Biden afirmou que o risco de a Rússia invadir a Ucrânia é “muito elevado”.
Em pronunciamento na Casa Branca, o democrata disse que a Rússia não retirou nenhuma de suas tropas e que, na verdade, moveu mais soldados para a região em crise.
Com o impasse no Leste Europeu, Biden viu uma chance de tentar melhorar sua popularidade. Segundo uma pesquisa feita pela Reuters e pelo Ipsos divulgada no início deste mês, o presidente americano tem 41% de aprovação, o menor indíce de seu mandato.
Para Rudzit, “Biden enfrentou uma ameaça que para os americanos nunca deixou de existir, já que a Rússia sempre foi percebida como inimiga dos EUA. Depois da saída desastrosa do Afeganistão, ele pode afirmar que atuou para o conflito armado não ocorrer, já que para o Ocidente a situação foi provocada por Putin”.
A Otan, aliança militar altamente financiada pelos EUA, também teve ganhos durante a crise, que ajudou a encerrar as discussões sobre divisões dentro do grupo. “Agora, os europeus olham para a Rússia como ameaça e entendem que a Otan é necessária”, conclui Rudzit.
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