Presto a homenagem a todos os pais, com lembranças de um tempo bom e opressor, decerto que já passou. Procurei direito para compreender muitas coisas que nos afastam do mal, e nos rodeiam de tanta injustiça.
À medida que o Dia dos Pais se aproxima, em 11 de agosto de 2024, recordo-me de meu pai com um misto de saudade e gratidão. Esta história, que dedico a ele, não é sobre remorso ou raiva, mas sobre a memória vívida de uma noite inesquecível e o legado de aprendizado que ela me proporcionou.
Meu primo Odilon, praticamente um irmão para mim, sempre se preocupou com meu bem-estar. Em Xapuri, eu e meu primo Fred o ajudávamos em casa, aprendendo sobre música e sobre a vida com ele. Odilon, com sua sabedoria peculiar, nos incentivava a conhecer os "caminhos do mau" para que nunca neles andássemos.
Continua após a publicidadeQuando Odilon se mudou para um apartamento no Bosque, em Rio Branco, eu continuei a visitá-lo durante minhas férias na cidade. Foi em uma dessas ocasiões, enquanto Fred ainda morava em Xapuri, que Odilon me convidou para ajudá-lo em casa e, ao final do dia, me surpreendeu com um convite para jantar na Churrascaria do Oscar. O aroma que emanava do lugar era um deleite para meus sentidos, acostumados à simplicidade do Mercado dos Colonos. A mesa logo se encheu de iguarias que eu jamais imaginara: carnes suculentas, embutidos, arroz soltinho, farofa crocante, banana caramelizada e até abacaxi assado.
Intimidado pelo ambiente requintado e pela etiqueta dos talheres, hesitei em me entregar àquele banquete. A fome era grande, mas a vergonha de demonstrar minha inexperiência era maior. Odilon, alheio ao meu dilema, devorava cada prato com prazer.
Uma tempestade repentina nos impediu de voltar para casa, e acabei passando a noite em claro, preocupado com a reação de meus pais. Na manhã seguinte, retornamos à Cidade Nova. Meus passos eram hesitantes, enquanto os de Odilon eram confiantes.
Ao chegarmos, meu pai me recebeu com um olhar severo e se afastou, ignorando as explicações de Odilon. Quando meu primo se foi, a angústia tomou conta de mim. Meu pai reapareceu com um cinto na mão e, sem me dar chance de me explicar, desferiu um golpe violento em meu braço. A dor foi excruciante, e a marca da fivela ficou gravada em minha pele como um estigma.
Naquele momento, compreendi que a fome física era apenas uma parte do meu sofrimento. A fome de compreensão, de acolhimento e de reconhecimento era ainda mais profunda. A cicatriz em meu braço se tornou um lembrete constante daquela noite, da minha inocência perdida e da dor que a falta de comunicação pode causar.
Hoje, neste Dia dos Pais que se aproxima, ofereço esta história como uma homenagem ao meu pai e ao legado que ele, mesmo sem saber, me deixou. Agradeço a Odilon por ter me guiado pelos caminhos da vida e por ter me mostrado que, mesmo nas adversidades, é possível encontrar força e aprendizado. E agradeço a meu pai, por ter me ensinado, ainda que de forma dolorosa, a importância da comunicação, da empatia e do perdão.
Que esta história sirva como um lembrete de que, mesmo nas situações mais difíceis, podemos encontrar lições valiosas e construir um futuro melhor. E que o Dia dos Pais seja um momento de celebrar o amor, a gratidão e o legado que nossos pais nos deixaram, como tão bem expresso no poema de João Guimarães Rosa:
"Pai... És um homem e és pai.
No teu braço forte e rude
A certeza que eu precisava."
*Paulo Roberto é servidor público, pai e sonhador.
Créditos: Imagens produzidas por IA