Pesquisadores criaram um dos primeiros mapas abrangentes de como o cérebro muda durante a gravidez, melhorando substancialmente o entendimento de um campo pouco estudado. Certas regiões do cérebro podem diminuir de tamanho durante a gravidez, mas melhorar em conectividade, “com apenas algumas regiões do cérebro permanecendo intocadas pela transição para a maternidade”, segundo o estudo publicado na segunda-feira (16) na revista Nature Neuroscience.
As descobertas são baseadas no estudo de uma mulher saudável de 38 anos, analisada pelos autores desde três semanas antes da concepção até dois anos após o nascimento de seu filho. Elizabeth R. Chrastil, professora da Universidade da Califórnia, em Santa Bárbara, passou por fertilização in vitro. Chrastil concebeu o projeto e desejou usar a si mesma como participante, como já foi feito em pesquisas anteriores.
Há “muito sobre a neurobiologia da gravidez que ainda não entendemos”, segundo a autora sênior do estudo, Emily Jacobs, professora associada do departamento de ciências psicológicas e cerebrais da UC Santa Bárbara, em uma coletiva de imprensa sobre o estudo. “E isso não é porque as mulheres são muito complicadas… É um subproduto do fato de que as ciências biomédicas historicamente ignoraram a saúde das mulheres. Estamos em 2024, e esta é a primeira vez que temos um vislumbre dessa fascinante transição neurobiológica.”
Cerca de 85% das mulheres sexualmente ativas que não usam nenhum método contraceptivo podem esperar engravidar dentro de um ano, e cerca de 208 milhões de mulheres engravidam a cada ano.
“O cérebro é um órgão endócrino, e os hormônios sexuais são potentes neuromoduladores, mas grande parte desse conhecimento vem de estudos com animais”, afirma Jacobs. Estudos com humanos tendem a se basear em imagens cerebrais e avaliações endócrinas coletadas de grupos de pessoas em um único momento.
“Mas esse tipo de abordagem de média de grupo não pode nos dizer nada sobre como o cérebro está mudando dia a dia ou semana a semana, conforme os hormônios aumentam e diminuem”, acrescenta Jacobs. “Meu laboratório aqui na UC Santa Bárbara usa métodos de imagem de precisão para entender como o cérebro responde a grandes transições neuroendócrinas, como o ciclo circadiano, o ciclo menstrual, a menopausa e agora, neste artigo, uma das maiores transições neuroendócrinas que um ser humano pode experimentar — que é a gravidez.”
Jacobs e seus colegas realizaram 26 exames de ressonância magnética e testes de sangue na mãe de primeira viagem e depois os compararam com mudanças cerebrais observadas em oito participantes de controle que não estavam grávidas.
Por volta da nona semana de gravidez, os autores encontraram uma redução generalizada no volume de massa cinzenta e na espessura do córtex cerebral, especialmente em regiões como a rede de modo padrão, que está associada a funções cognitivas sociais. A massa cinzenta é um tecido essencial do cérebro que controla sensações e funções como fala, pensamento e memória. Após atingir o auge durante a infância, a espessura do córtex diminui ao longo da vida.
Os exames também mostraram aumentos no líquido cefalorraquidiano e na microestrutura da substância branca no segundo e terceiro trimestres, todos associados ao aumento dos níveis dos hormônios estradiol e progesterona. O líquido cefalorraquidiano ajuda a nutrir, proteger e remover resíduos do cérebro. A substância branca auxilia na comunicação e processamento de informações entre áreas do cérebro.
Algumas das mudanças — incluindo o volume e a espessura cortical — permaneceram dois anos após o nascimento, enquanto outras retornaram a níveis semelhantes aos do período pré-concepção por volta de dois meses após o parto. E, em comparação com o grupo de controle, a mudança no volume de massa cinzenta da mulher foi quase três vezes maior.
“Este estudo é fundamental para estabelecer as bases para futuras pesquisas, fornecendo dados que permitirão explorar mais detalhadamente como podemos apoiar mudanças saudáveis no cérebro durante a gravidez (na mãe, o que provavelmente afetará o feto em desenvolvimento)”, afirma Jodi Pawluski, neurocientista, terapeuta e autora baseada na França, por e-mail. Pawluski não esteve envolvida na pesquisa.
O estudo de caso também “serve como uma prova de conceito de que estudos de imagem de precisão estão bem equipados para detectar toda a gama dinâmica de mudanças cerebrais que ocorrem durante o período gestacional”, diz Magdalena Martínez García, pesquisadora de pós-doutorado em neurociência humana no Laboratório Jacobs na UC Santa Bárbara, que não esteve envolvida no estudo.
As implicações funcionais que essas mudanças cerebrais podem ter para os pais que dão à luz ainda precisam ser determinadas, segundo Elseline Hoekzema, chefe do Laboratório de Gravidez e Cérebro do Centro Médico da Universidade de Amsterdã, por e-mail. Hoekzema não participou do estudo.
No entanto, alguns dos trabalhos anteriores de Hoekzema indicaram associações entre mudanças cerebrais relacionadas à gravidez e as formas como o cérebro e o corpo de um pai respondem e se conectam aos sinais dos bebês, acrescenta Hoekzema. Esses achados também estão em linha com estudos em animais que mostraram mudanças cerebrais críticas para o início e a continuidade dos cuidados maternos.
As reduções no volume de massa cinzenta e na espessura cortical podem apontar para a ideia de que, para o cérebro materno, “parece que menos realmente pode ser mais”, afirma Pawluski. “Ele pode estar se tornando potencialmente mais eficiente.”
O aumento da microestrutura da substância branca, por outro lado, pode significar “um aumento na troca de informações e comunicação entre diferentes áreas do cérebro”, diz Pawluski. As descobertas também podem ter implicações importantes para prevenir ou tratar problemas de saúde mental perinatal ou apoiar uma transição saudável para a maternidade.
Claro, essas mudanças neurais que ocorrem em uma mulher não significam que aconteçam com todas ou na mesma intensidade para todos, então é necessário replicar o estudo com um número maior de participantes, segundo especialistas.
No entanto, a pesquisa até agora mostra que as mudanças “são relativamente muito consistentes entre diferentes mulheres”, diz Hoekzema. “Em um estudo, descobrimos que todos os participantes poderiam ser classificados como grávidos ou não por um algoritmo de computador, com base apenas nas mudanças em seus cérebros. E até agora já replicamos essas mudanças.”
Apesar das perguntas sem resposta, Pawluski relata que quer que os pais saibam que essas mudanças são normais e saudáveis, em vez de um déficit, como algumas pessoas acreditam que é uma experiência estereotipada da maternidade.
“Nossa ignorância tem consequências”, diz Jacobs. Os cientistas não tinham dados, por exemplo, para prever a depressão pós-parto antes que ela se manifestasse ou para entender os efeitos a longo prazo da pré-eclâmpsia na saúde do cérebro.
O estudo também representa o lançamento do Projeto Cérebro Materno, um esforço internacional apoiado pela Iniciativa de Saúde Cerebral Feminina Ann S. Bowers e pela Iniciativa Chan Zuckerberg, para o qual um grupo muito maior de mulheres e seus parceiros está sendo recrutado na UC Santa Bárbara e na Espanha.
“Precisamos de melhores dados”, acrescenta Jacobs. “Dos 50.000 artigos sobre imagens cerebrais publicados nos últimos 30 anos, menos de meio por cento se concentram em fatores de saúde exclusivos das mulheres, como a gravidez. Então, quando falamos sobre o corpo de conhecimento científico, temos que considerar a quem esse corpo serve.”