Franca Anna Maria Mattea Baderna, conhecida como Marietta Baderna foi uma bailarina italiana. Radicada no Brasil em 1849, suas apresentações tornaram-se populares no Rio de Janeiro; seu nome entrou para o vocabulário do português brasileiro como sinônimo de confusão. Nasceu em 1828 na província de Placência. Desde cedo teve inclinação para a dança, incentivada pelo pai; aos doze anos fez sua estreia nos palcos e tornou-se membro do corpo de baile do Teatro Alla Scala de Milão. Era considerada uma das maiores bailarinas da Europa já na adolescência, arrebatando as plateias dos principais teatros da Itália e da Inglaterra.
Em 1847 apresentou-se na Inglaterra, tendo uma temporada de sucesso no Covent Garden. Voltou para a Itália, mas o clima político obrigou-a a deixar o país. Na época, seu país estava dividido e uma parte sob a dominação da Áustria. Jovem ainda, Maria Baderna chegou a contribuir financeiramente para as conspirações patrióticas e pela unificação; ela e seu pai eram seguidores de Giuseppe Mazzini, líder do movimento republicano, derrotado pelos monarquistas e austríacos após a revolução de 1848.
Com a derrota do movimento revolucionário que varreu a Europa em 1848, a chamada "Primavera dos Povos", e para fugir às represálias, ela e o pai, médico e músico que tinha participado das revoltas, se auto-exilam no Brasil, desembarcando no Rio de Janeiro no começo de agosto de 1849.
Vida no Brasil
Maria Baderna desembarcou no Brasil em 1849, aceitando um convite para se apresentar com sua companhia no Teatro São Pedro de Alcântara (atual Teatro João Caetano). Suas apresentações foram incorporando danças afro-brasileiras, como o lundu, a umbigada e a cachucha, e apesar de serem consideradas "escandalosas" para a sociedade brasileira, faziam sucesso, lhe garantindo um grupo de fãs ardorosos. As manifestações exaltadas desses fãs garantiram-lhes o nome de badernistas, e a palavra baderna tornou-se sinônimo de beleza e, mais tarde, de confusão ou tumulto. Chegava a participar dessas danças ao ar livre, em locais como o Largo da Carioca, com os próprios escravos. Um escândalo para a sociedade escravagista e hipocritamente sexofóbica, como diz seu biógrafo, o jornalista italiano Silvério Corvisieri, que fez uma reconstrução histórica da cidade do Rio de Janeiro e do cotidiano brasileiro de meados do século XIX. Em meio aos ataques, Marietta e os fãs revoltados eram defendidos por figuras como o escritor José de Alencar e o respeitado poeta e editor Francisco de Paula Brito.
Segundo o dicionário, “baderna” é um substantivo feminino, de origem brasileira, com função pejorativa, que quer dizer “situação em que reina a desordem; confusão, bagunça”. Sabemos, no entanto, que a baderna sempre foi justificativa utilizada para todo tipo de repressão por autoridades, dos professores aos policiais, contra os alunos mais alegres, as festas populares, as reuniões mais efusivas e a acaloradas, a alegria desenfreada, as manifestações políticas ou tudo que sai da retidão contida da ordem. Assim como muitas badernas propriamente, essa é uma palavra exclusivamente brasileira – que só existe no português. A rebeldia, pelo que se relata, corria no sangue de Maria Baderna, e seu pai, em pleno contexto de ocupação austríaca no país, se afirmava publicamente como um entusiasmado defensor do movimento democrático que corria a conturbada Europa dos meados do Século XIX. À época da resistência, no entanto, os rebeldes revolucionários mantinham como forma de protesto a decisão de que não houvesse vida artística no país enquanto durasse a ocupação – e, militante que era, Maria Baderna seguiu tal orientação. A perseguição política direta sofrida pelos apoiadores do movimento democrático era intensa, e assim Antônio e sua filha entenderam que era hora de cruzar o Atlântico: assim a família Baderna deixou a Itália e desembarcou em exílio no Brasil em 1849. O país que se tornou casa da militante Marietta era ainda um conservador império escravocrata governado por Dom Pedro II. Movida por seu talento rapidamente Baderna estreou como bailarina em palcos brasileiros (mais precisamente em 29 de setembro de 1849, com o balé “Il Ballo delle Fate”), um acontecimento de tal forma celebrado que, à época, seu sucesso por aqui foi capaz de ofuscar até mesmo a luz das grandes divas do canto. Em pouco tempo se tornou, no Brasil, uma estrela.
Maria Baderna não era, porém, revolucionária somente em suas orientações políticas, mas também em seus costumes: apreciadora dos festejos populares, do álcool e do sex6, por mais que dançasse nos salões tradicionais a jovem gostava mesmo era de rua. Foi nas ruas que conheceu a resistência dos escravos, e principalmente que se apaixonou pelas danças que coreografavam tal resistência nos corpos das mulheres negras. A sensualidade e a força dos ritmos e danças africanas rapidamente foram assimilados por Maria Baderna, que passou a não só frequentar as reuniões populares como principalmente a incorporar à delicadeza do balé os passos do lundu, da cachuca e da umbigada – e assim, aos poucos foi mudando sua forma de dançar e se tornando uma bailarina do povo. Aos poucos as cortinas dos palcos foram se fechando: os pagamentos cessaram, os contratos começaram a desaparecer, e o impedimento a seu nome se solidificou – a outrora estrela italiana da dança se transformara em musa do povo, dos ritmos negros, da cultura popular, e assim se definiu seu ocaso. Segundo a biografia Maria Baderna, a bailarina de dois mundos, do italiano Silverio Corvisieri, ela “vivia livremente demais para o Brasil de Pedro II”. A perseguição que sofrera na Itália de certa forma se reproduzia no Brasil; Baderna foi ao Recife, mas lá também foi boicotada – e, enquanto os poderosos de plantão tentavam expulsá-la do país, os trabalhadores, estudantes, jovens e escravos a viam como a expressão de um Brasil melhor, mais popular, mais livre: pelas mãos e pela dança de uma imigrante, enxergavam nela um Brasil mais efetivamente brasileiro.
A rebelde que desafiou o conservadorismo por amor à dança, por alegria e por sincero interesse nas manifestações populares não viveu para ver a abolição da escravatura no Brasil nem a premissa da mistura entre a dita alta cultura e a cultura popular se tornar base para as mais profundas revoluções artísticas e éticas na cultura nacional. Sofria represálias nas óperas, sua dança era deixada para o final ou então não renovavam o seu contrato. Os jovens, seus fãs radicalizavam; para protestar contra a direção dos teatros, boicotavam os espetáculos, ou faziam a pateada [ato de bater os pés no chão], interrompendo espetáculos no meio e fazendo manifestações ainda mais radicais. Com as dificuldades que enfrentava e com a verdadeira campanha moralista desencadeada contra ela pelo Jornal do Commercio, Marietta começa a se deixar levar pelo alcoolismo. Passa um tempo desaparecida, em 1863 viaja para a França, apresentando-se no Grand Théatre de Bordeaux. Ao retornar ao Brasil é contratada para a temporada 1864-1865, a sua última aparição pública. Depois disso nunca mais se ouve falar dela, nem no Brasil, nem na Itália. No Rio de Janeiro Baderna constituiu família, quatro filhos. Ela foi sepultada no Cemitério de São Francisco Xavier no dia 4 de janeiro de 1892.
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