O Sati era um antigo costume entre algumas comunidades hindus, hoje em dia estritamente proibido pelas leis do Estado Indiano, que obrigava (no sentido honroso, moral, e prestigioso) a esposa viúva devota a ser sacrificada viva na fogueira da pira funerária do seu marido morto.
O termo é derivado do nome original da deusa Sati, também conhecida como Dakshayani, que se autoimolou, porque foi incapaz de suportar a humilhação de seu pai Daksha por viver enquanto seu marido Shiva morreu.
O sati era supostamente uma prática que deveria ser voluntária mas sabe-se que muitas vezes foi forçado nas mulheres do subcontinente indiano. Deixando de lado a questão da pressão social, existem muitos relatos de suicídios forçados de mulheres neste ambiente sócio-cultural.
Pictóricas e narrativas descrevem com frequência a viúva ser sentada sobre a fogueira apagada, e então amarrada ou de outra forma limitada de mover-se para mantê-la na fogueira e impedir uma fuga após o fogo ser aceso. Alguns relatos afirmam que a mulher era drogada (com ópio). Um relato descreve homens usando varas compridas para impedir que uma mulher fugisse das chamas.
Uma das possíveis razões para o sati forçado seria para impedir que a herança do marido ficasse para a esposa. Não era de se admirar que frequentemente a viúva fosse conduzida à pira funerária pelos parentes do morto.
Este ritual hindu era praticado na Índia desde antes do nascimento de Cristo, e o espectáculo horrendo de viúvas devoradas pelas chamas constituiu, compreensivelmente, objecto de choque para numerosos viajantes que visitaram o subcontinente.
Só recentemente, contudo, terá desaparecido por completo, datando a actual legislação indiana que o proíbe apenas de 1987.
Motivo relevante para a sobrevivência da pavorosa superstição foi a tolerância, e até apoio, que lhe prestaram as autoridades britânicas nas áreas da Índia que ocupavam.
Com efeito, nem os funcionários da Companhia Inglesa das Índias Orientais parecem ter-se sentido particularmente incomodados com o espectáculo de mulheres inocentes oferecidas ás chamas, nem parecem as autoridades inglesas ter encontrado motivo algum para limitar a prática até, imagine-se, a 1829.
Pelo contrário, os funcionários da Company incentivaram-na abertamente, pois tornou-se seu hábito prestigiar os rituais com a sua presença.
O historiador A.F. Salahuddin Ahmed, que estudou cuidadosamente o assunto, refere que a participação de dignitários da Companhia "not only seemed to accord an official sanction, but also increased its prestige value".
O resultado foi grande crescimento na prática do Sati nos primeiros anos do século XIX, tendo o seu número crescido de 378 to 839 na província de Bengala entre 1815 e 1818. O bárbaro ritual só seria banido em 1829 e após persistente campanha contra ele por missionários anglicanos.
Apesar da proibição governamental, existem dezenas de relatos de ocorrências de satis nas últimas décadas, tão recentes quanto ao ano 2006. A erradicação de uma prática cultural tida como nobre exige um esforço contínuo por parte das autoridades oficiais.
Existem variações dessa prática, por exemplo, há registros de satis simbólicos; e satis de enterramento vivo em comunidades onde a prática excepcional de enterramento prevalece, divergindo do padrão da cremação.
A prática do sati pode suscitar várias especulações de cunho antropológico-social, fazendo surgir hipóteses tais como a prevenção de um possível assassinato do marido (por exemplo, por envenenamento, como já acreditavam os gregos antigos que tiveram contato com tais aspectos da cultura milenar indiana), dada dinâmica de mestre x escravo nesses casamentos tradicionais.
A outra é a bem estabelecida diminuição de interesse por parte da família da viúva em manter mais uma boca a ser alimentada e sustentada em seu lar. O fato da viúva indiana até hoje em dia ter que enfrentar grandes dificuldades financeiras e a perda de prestígio social perante a sua sociedade parece confirmar tais especulações conceituais (lembrando que uma vez casada a noiva, via regra, muda-se para a casa dos pais do novo marido).
Na Índia portuguesa, muito diferentemente, o Sati fora banido logo em 1515, ou mais de trezentos anos antes.
Procurando concretizar o seu projecto de conquista de Goa, Afonso de Albuquerque firmara uma aliança com a comunidade hindu da cidade e com o corsário Timoja, entretanto tornado vassalo do Rei de Portugal. Albuquerque prometera plena liberdade religiosa a muçulmanos e, particularmente, a hindus, estes últimos ter-se-ão mesmo decidido a apoiar os portugueses como reacção às repressões de que eram vítimas pelos conquistadores muçulmanos.
Consumada a conquista da cidade, todavia, foi obrigado Albuquerque a reconsiderar a promessa ao assistir ao Sati. O ritual hindu horrorizou-o a ele e aos restantes portugueses, cuja sensibilidade cristã quedou chocada com este bárbaro ritual.
Horrorizado Albuquerque decidiu a agir energicamente e, reiterando não pretender infringir desmedidamente os direitos dos hindus subjugados, proibiu por completo aquela prática obscena.
Quantas mulheres foram salvas ao longo dos séculos por aquele assomo de consciência não pode ninguém saber, mas o que parece incontestável é que inumeráveis viúvas inocentes ficaram a dever a vida ao Governador da Índia e, sim, à obra civilizatória que Portugal produziu na Índia.
Resta saber quando é, afinal, que a Albuquerque se reconhece o seu papel como eminente lutador pelos direitos das mulheres.
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