Um dos remédios para dor e febre mais vendidos no Brasil, a dipirona vive uma situação paradoxal. Enquanto vende aqui mais de 215 milhões de doses — somente no ano passado, segundo a Anvisa – em outros países, como Estados Unidos, alguns países da União Europeia e Japão, a venda do medicamento está proibida.
Criado na Alemanha já com a marca “Novalgina” em 1922 pelo laboratório Hoechst AG, o metamizol (como é conhecido o analgésico e antipirético na Europa) foi por muitos anos vendido livremente sob várias formas e nomes comerciais.
No entanto, em meados da década de 1960, começaram a surgir trabalhos científicos alertando para os riscos de agranulocitose, uma alteração no sangue que reduz a imunidade dos usuários do remédio. Curiosamente, o estudo que determinou a proibição do metamizol nos EUA, alertava sobre os riscos da aminopirina, uma substância com estrutura parecida com a da dipirona.
Por que as autoridades sanitárias dos EUA proibiram a dipirona?
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De acordo com um artigo conjunto da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), USP, Unifesp e Universidade de Iowa de 2021, “Tendo como base essa semelhança química, os autores não fizeram distinção entre as duas moléculas e assumiram que os dados obtidos para a aminopirina seriam também aplicáveis à dipirona”.
Com base nesse estudo de 1964, que calculou a ocorrência de agranulocitose em um de cada 127 consumidores de aminopirina, a agência regulatória dos EUA, FDA, decidiu retirar a dipirona do mercado daquele país em 1977. Seguiram=se proibições em outros países, como Austrália, Japão, do Reino Unido e partes da União Europeia.
Segundo a farmacêutica bioquímica Laura Marise, doutora em Biociências e Biotecnologia entrevistada pela BBC News Brasil, como “a proibição dela aconteceu justamente nos países que mais fazem pesquisas de eficácia e segurança sobre medicamentos”, isso diminuiu o interesse em se fazer testes e investigações suplementares sobre a dipirona, tornando-a um "pária" nesses lugares.
E por que a dipirona continua liberada no Brasil?
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De janeiro de 2002 a dezembro de 2005, um grande estudo caso-controle internacional multicêntrico, envolvendo cientistas do Brasil, Argentina e México, avaliou a dipirona. O chamado Latin Study avaliou dados de 548 milhões de pessoas, e identificou 52 casos de agranulocitose, o que significa uma taxa de 0,38 caso por milhão de habitantes/ano, índice considerado baixo.
Quatro anos antes, a própria Anvisa já havia realizado o “Painel Internacional de Avaliação de Segurança da Dipirona”, no qual especialistas brasileiros e estrangeiros concluíram que "a eficácia da dipirona como analgésico e antitérmico é inquestionável e que os riscos atribuídos à sua utilização em nossa população são baixos e similares, ou menores, que o de outros analgésicos/antitérmicos disponíveis no mercado".
A Anvisa afirmou em nota à BBC News Brasil que, desde a realização do painel em 2001, “não foram identificados novos riscos ou emitidos novos alertas de segurança relacionados à dipirona”.
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