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"Entrelaçando Destinos: A Jornada Épica do Curso de Cabo"

Cobras, Lagartos e Lacraias

19/08/2023 às 23h16 Atualizada em 20/08/2023 às 05h57
Por: Paulo Roberto
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Foto: Arquivo pessoal
Foto: Arquivo pessoal

Por Paulo Roberto de A. Pereira 

Gostaria de aproveitar esta oportunidade para relatar, sempre que possível, com foco especial nos finais de semana, quando então durmo até mais tarde um pouco, os momentos marcantes em minha vida. Escrevo com a intenção de criar um registro pessoal, desprovido de qualquer desejo de me envaidecer ou agradar. Tenho dedicado esforços para aprimorar meus escritos, submetendo-os a revisões auxiliadas pela inteligência artificial.

Em vários fragmentos anteriores, relatos acanhados, apeguei-me a imagens ilustrativas encomendadas a desenhistas brasileiros. Agora, eu edito comandos e a IA esboça e me fornece em segundos essas imagens. Eu gosto de ilustrar certas passagens da minha vida, já que sou acanhado e não conto fácil pra ninguém em particular. 

1985

Sair de casa de madrugada, pegar a catraia e seguir na pernada até o quartel do Bosque, o 4º Bis, era a minha trajetória diária. 

Era o ano de 1985, e eu, um jovem soldado do exército brasileiro, estava prestes a enfrentar um dos desafios mais marcantes da minha carreira militar. O curso de cabo era a próxima etapa, mas não era algo que eu tivesse escolhido com entusiasmo. Na verdade, estava longe de ser minha vocação ou minha vontade de seguir carreira no quartel.

A operação boina, que acontecera antes dos eventos que irei narrar, havia sido um episódio marcante, um capítulo que não podia ser esquecido, e dolorido para mim. Apelido foi o que não me faltou. Ela não foi bem-sucedida (para mim), em grande parte devido a um incidente grave nas selvas de um dos seringais ao longo da BR-317. Uma picada de um aracnídeo, que consideraram uma cobra, a partir da quantidade de injeções e soros antiofídicos aplicados, me afastou temporariamente do treinamento.

O curso de cabo, por sua vez, não trouxe consigo a vaidade ou o conhecimento sólido que alguns associam à carreira militar. Eu acreditava, na verdade, que estava ali para compensar a dor que eu havia enfrentado durante a operação boina, um período em que minha vida ficou suspensa entre a vida e a morte.

Lembro-me claramente daqueles dias em que fomos transportados como sardinhas enlatadas em um caminhão para o local onde seria nosso acampamento. Tudo era áspero e rude, como se esperassem que soldados fossem tratados dessa maneira. A ditadura militar estava em declínio, mas ainda deixava seus resquícios bem vivos.

Eu, magricelo e com a mente frequentemente distante, parecia não pertencer àquele mundo. Enquanto um sargento explicava a teoria de defesa e ataque, meu corpo ansiava pelo descanso, mas o sono teimava em não me pegar. Alguns soldados atrás de mim conversavam alto demais, irritando o sargento ao ponto de ele ordenar que nos separássemos do grupo principal. Inclusive eu, que nada tinha a ver com a situação, fui parar no grupo de punição.

Fomos levados para um lago de lama, e a água gelada daquele frio entre abril e maio cortava a pele. Mas, em vez de mergulhar como os outros, algo em mim mudou. Um impulso instintivo me fez desviar e adentrar a mata escura e densa. Caminhei sem rumo por horas naquela noite, tropeçando no terreno desconhecido, sem lanterna, completamente desorientado.

Os sons da mata, agora meus únicos guias, me acompanhavam. Aquela escuridão era avassaladora, e cada passo era uma incógnita. Mas, de alguma forma, por sorte ou determinação, alcancei minha rede e, nela, me agarrei ao meu fuzil como se fosse a única âncora naquele mundo caótico.

O amanhecer trouxe consigo a perspectiva de mais um dia de treinamento rigoroso, mas algo estava diferente. Não ouvi os estampidos das bombas, não ouvi a agitação de meus companheiros. Acordei e, para minha surpresa, não havia ninguém à minha volta. A solidão me envolveu, e a sensação de que meu mundo estava prestes a acabar me assaltou.

Mas eu estava determinado a encontrar o caminho de volta. Explorei os arredores, e, após superar o desafio do arame farpado, descobri que o local não estava tão distante quanto parecia. Ao final da minha trilha solitária, deparei-me com uma fila de soldados ansiosos pelo café da manhã, cada um segurando seus cantis e canecas. Seria café com leite, pelo que me recordo.

Minha sede era insuportável. Avistei um limão galego nas proximidades, colhi-o, espremi o suco no meu cantil e olhei ao redor, certificando-me de que ninguém me visse. Com cautela, corri da mata em direção à fila, me posicionando atrás do último soldado.

Finalmente, fui servido, e, enquanto tomava meu café com aquele sabor cítrico, algo dentro de mim mudou. A experiência única da noite anterior, a solidão, o medo, a sobrevivência, tudo isso transformou minha visão sobre a vida e a caserna. E tudo aquilo era um curso.

A operação boina, que havia sido um ponto de partida para essa jornada, agora parecia ter um significado diferente. Não era apenas um fracasso militar, mas sim uma experiência que me transformara, um episódio que me ensinara a importância da resiliência e da determinação.

E assim, retornei ao quartel central, transformado, com uma visão de mundo e uma apreciação pela vida que eu jamais poderia ter adquirido de outra maneira. A operação boina e o curso de cabo talvez não tenham me dado um título ou conhecimento sólido de militarismo, mas me presentearam com lições de vida que carreguei comigo para sempre. Era a prova de que, mesmo nas situações mais adversas, podemos encontrar força e sabedoria para seguir em frente.

*Paulo Roberto de A. Pereira 

Servidor público; estudou pra caramba. O trabalho continua sendo mérito e o prazer, quiçá, antes da aposentadoria. 

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