Plácido de Castro, 19 de janeiro de 2025. A chuva cai incessantemente sobre a cidade, mas nem mesmo o céu carregado consegue ofuscar o brilho nos olhos de Bruno da Silva Fontinele.
Entre caixas de mudança e a expectativa palpável de uma nova vida, conseguimos um momento precioso para uma conversa que, assim como a trajetória de Bruno, merece ser eternizada na história do Acre. Embora a nova sede da Defensoria Pública em Plácido de Castro seja motivo de orgulho, Bruno explica que não iniciará seu trabalho imediatamente aqui. 'Por enquanto, serei lotado em outra comarca', ele comenta, 'mas quem sabe um dia não retorno para servir minha terra natal?' Seus olhos brilham com essa possibilidade, refletindo tanto a saudade antecipada quanto a esperança de um dia poder contribuir diretamente para a comunidade que o viu crescer.
Se o Guinness Book tivesse uma categoria para "superação acreana", a história de Bruno certamente estaria lá. Como testemunha e amigo, posso afirmar que sua jornada é digna de registro, não apenas pela conquista pessoal, mas pelo que representa para toda a comunidade. Afinal, Bruno não apenas foi aprovado em um concurso que atraiu centenas de candidatos de todo o país - ele foi o único acreano entre os 11 (onze) empossados, e mais impressionante ainda, o primeiro placidiano a conquistar tão honrado e desafiador título.
Solenidade de Posse dos novos Defensores Públicos. Fonte (10 de janeiro de 2025). Fonte: DICOM/DPE: DICOM/DPE
"Bruno, como foi sua trajetória de estudos aqui em Plácido de Castro?", pergunto, observando-o organizar cuidadosamente seus livros, enquanto a chuva cai sem cessar.
Ele para por um momento, seus olhos brilhando com as memórias. "O meu ensino regular foi quase todo aqui em Plácido," começa Bruno. "Era uma realidade bem diferente da de hoje. Não tínhamos acesso a muita informação. Internet e computador eram coisas de pessoas com mais dinheiro."
Formatura PROERD. 2002. Com o professor Almeida
Bruno pega um livro desgastado de sua estante, folheando-o com carinho. "Lembro-me da minha primeira professora, Rosalice, na Franklin Roosevelt. Ela foi quem plantou em mim a semente do amor pelo conhecimento. Sempre dizia que a educação transforma vidas. Sabe, Paulo, naquela época, meu sonho era ser professor. Eu achava o máximo aquela profissão, como até hoje acho."
Enquanto arruma suas coisas, Bruno compartilha memórias que parecem saídas de um romance regionalista. "Minha infância aqui era simples, mas feliz. Brincava de manja e bétis na rua Jerônimo de Brito com meu amigo Apolo Panta. Depois, corria para a locadora do Davi Kherthers para jogar videogame quando dava."
A menção à infância o leva a uma reflexão mais profunda. "Meus pais sempre incentivaram o estudo, mesmo com poucos recursos. Minha mãe ajustou nosso quarto para ter incentivos à leitura, enquanto meu pai comprava livros com histórias clássicas quando podia."
Daniela Archanjo (sobrinha), Maria José (mãe), Evellynne Figueiredo (irmã), Isabela Archanjo (sobrinha).
Bruno faz uma pausa, seu olhar perdido nas lembranças. "Aos 16 anos, comecei a trabalhar no caixa de um mercado local. Era faz de tudo um pouco, na verdade. Conciliar trabalho e estudo sempre foi desafiador."
Kawan Fontinele (irmão), Adauto Fontinele (pai), Eclesiastes Dutra (irmão)
"E como foi a transição para o Direito?", indago, curioso sobre sua jornada acadêmica.
"Ah, isso foi outro desafio e tanto," Bruno sorri. "Tinha que me deslocar à capital diariamente para a faculdade, já que Plácido não tem o curso de Direito. Trabalhava o dia todo e estudava à noite. Não foi fácil, mas algo dentro de mim dizia para continuar."
Posse como Auxiliar Judiciário, em 1º de dezembro de 2011. Fonte: ASCOM/TJAC
Seus olhos brilham ao mencionar um momento crucial. "Sabe, teve um dia que mudou tudo. Vi a doutora Juliana Marques no fórum e perguntei a uma amiga de trabalho quem era. Quando ela me explicou o papel da Defensoria Pública, ali mesmo decidi que era isso que eu queria ser. Foi quando meu sonho de ser professor se transformou no sonho de ser Defensor Público."
Em meio à conversa, Bruno se levanta e caminha até sua estante. Com um brilho especial no olhar, retira um livro visivelmente marcado pelo tempo - suas páginas amareladas e bordas desgastadas contam sua própria história. 'Este livro aqui', diz ele, segurando 'Nunca desista dos seus sonhos', de Augusto Cury, como quem segura um tesouro, 'foi muito mais que uma leitura casual. Foi um encontro com o destino. Estava ajudando um amigo numa mudança quando o encontrei de lado para descarte, aguardando a coleta passar. Algo me fez resgatá-lo, e ele acabou me resgatando também. Suas páginas não apenas abriram minha mente - elas redesenharam meus horizontes. Foi nessas palavras que encontrei coragem para acreditar que meus sonhos não eram grandes demais, que eu não era pequeno demais para eles.
A conversa nos leva naturalmente ao tema dos concursos públicos. Bruno suspira, lembrando-se das noites em claro e dos fins de semana dedicados aos estudos. "Foi uma jornada e tanto, Paulo. Participei de diversos concursos, não só no Acre, mas em outros entes da federação também: Rondônia, Amazonas, Distrito Federal. Foram diversas aprovações, algumas nomeações. Cada prova era uma mistura de ansiedade e esperança. A vida de concurseiro é muito solitária. A gente enfrenta muitas frustrações, decepções. Mas sempre mantive a fé e persistência e, graças a Deus, o resultado foi alcançado."
Ele sorri, um brilho de orgulho em seus olhos. "Quando saiu o resultado do concurso para a Defensoria Pública do Acre, eu mal podia acreditar. Centenas de candidatos de todo o Brasil, e eu, um menino de Plácido de Castro, classificado nas vagas. Sou o único acreano entre os 11 (onze) nomeados e empossados. É algo que ainda me emociona profundamente."
"Bruno, você sabia que a Defensoria Pública do Acre não só bateu recordes de atendimento, mas também se destacou nacionalmente em 2024?" pergunto, compartilhando as informações que pesquisei.
Os olhos de Bruno se iluminam com interesse genuíno. "Sim, Paulo, mas ouvir esses relatos é prazeroso. Conte-me mais sobre isso."
"Bem, além dos mais de 155 mil atendimentos em 2024, a Defensoria do Acre conquistou o 1º lugar no prêmio de Inovação Judiciário Exponencial. Eles também receberam o selo Esperança Garcia por atitudes antirracistas e o Prêmio Bacurau de Direitos Humanos. Isso sem falar nas iniciativas como a Carreta da Defensoria e a inauguração de novas unidades tanto na capital quanto no interior."
Bruno concorda, visivelmente emocionado. "Isso é extraordinário! Mostra que estamos no caminho certo, não apenas atendendo mais pessoas, mas fazendo isso de forma inovadora e comprometida com a justiça social."
Ele faz uma pausa, refletindo. "Sabe, Paulo, essas conquistas me fazem pensar no impacto que podemos ter. Não se trata apenas de números, mas de vidas transformadas. Cada atendimento, cada nova unidade inaugurada, representa esperança para alguém que talvez não tivesse para onde recorrer."
"E o que mais me emociona," continua Bruno, "é saber que farei parte disso. Que poderei contribuir para que esses números cresçam ainda mais, para que mais prêmios sejam conquistados, não pela glória, mas pelo que representam em termos de serviço prestado à população."
Sua voz ganha um tom mais solene quando reflete sobre a transição que está vivendo: "Deixar o Poder Judiciário não foi apenas uma mudança de instituição, foi uma transformação de perspectiva. Na Defensoria Pública, aprendi que precisamos enxergar além do balcão de atendimento, além dos processos, além das letras frias da lei. Aqui no Acre, cada pessoa que nos procura carrega uma história única, moldada por nossa realidade amazônica, por nossas particularidades regionais. Não estamos apenas prestando um serviço jurídico - estamos sendo guardiões de dignidade, ponte entre o cidadão e seus direitos fundamentais. É uma missão que abraço com amor e fé, certo de que cada atendimento é uma oportunidade de transformar vidas.
Observo como Bruno absorve essas informações, seu rosto refletindo uma mistura de orgulho e responsabilidade. "É inspirador ver como a Defensoria está evoluindo," ele diz. "Especialmente com iniciativas como a Carreta da Defensoria e os Pontos de Inclusão Digital. Além disso, o processo de interiorização está a todo vapor, o que vai ser mais reforçado com a lotação dos novos Defensores Públicos no interior. Isso mostra um compromisso real em levar acesso à justiça para todos os cantos do Acre."
"Bruno, o que você diria para aqueles que estão lutando para realizar seus sonhos em lugares pequenos como Plácido de Castro?", pergunto.
Ele reflete por um momento, sua expressão séria e ao mesmo tempo serena. 'Todo trabalho honesto carrega em si uma dignidade única. Quando fui caixa de mercado, atendente no comércio, quando limpava o chão - cada uma dessas experiências me ensinou algo valioso. Mas aprendi também que podemos honrar nosso trabalho atual enquanto sonhamos e construímos algo maior. Não se trata de desmerecer nenhuma função, mas de entender que todos temos o direito de expandir nossos horizontes, de buscar novos desafios.'
Bruno faz uma pausa significativa, seus olhos brilhando com a intensidade das memórias: 'Foi na assessoria da Vara Única de Plácido de Castro que essa verdade se cristalizou ainda mais. Ali, aprendi que cada processo não era apenas um número - era uma história de vida, um ser humano enfrentando desafios reais. Essa experiência fundamental moldou minha visão do que significa ser um verdadeiro Defensor Público: alguém que enxerga além dos papéis, que compreende as lutas e os sonhos de cada pessoa que busca justiça.
Enquanto nossa conversa chega ao fim, Bruno faz uma última reflexão: "A educação me transformou profundamente. Embora meu sonho inicial fosse ser professor, encontrei na Defensoria Pública minha verdadeira vocação. Hoje, estou prestes a realizar esse sonho. Isso prova que, com determinação, podemos transformar não apenas nossas vidas, mas a de toda uma comunidade. E o mais importante: todos podem sonhar e conquistar. Minha história é prova disso."
Bruno então faz questão de expressar sua gratidão: "Quero agradecer a cada pessoa que torceu por mim, a cada professor pelo legado deixado, à minha família pelo apoio incondicional, e a todos que se importam com o crescimento dos outros. Cada amigo, cada simpatizante, cada palavra de encorajamento foi fundamental nessa jornada. A educação me transformou, e agora tenho a oportunidade de retribuir, lutando pela justiça e dignidade de nossa gente."
Ao me despedir, observo Bruno retornar à sua preparação, agora com um novo brilho nos olhos. Ele não está apenas arrumando malas; está se preparando para carregar consigo as esperanças e os sonhos de todo um povo acreano.
Na terra onde outrora os seringueiros desbravavam caminhos na mata, um novo caminho se abre - não mais nas estradas de manga (os caminhos sinuosos na floresta usados para a extração do látex, e não relacionados à fruta), mas nos corredores da justiça e da dignidade humana. Bruno Fontinele não é apenas um novo Defensor Público; ele é o símbolo vivo do potencial transformador que reside em cada acreano.
Sua história é um testamento à perseverança, à dedicação e ao poder dos sonhos. E enquanto ele se prepara para sua próxima jornada, fico com a certeza de que o capítulo mais inspirador da história de Plácido de Castro e do Acre está apenas começando. Um capítulo escrito não apenas com leis e jurisprudências, mas com a tinta indelével da esperança e da transformação social.
Antonio Valentin (servidor público e tio do Bruno); Mateus Santini, juiz de direito da comarca de Plácido de Castro. Guilherme Miotto, juiz de direito
Como servidor do Tribunal de Justiça há décadas em Plácido de Castro, tive o privilégio de acompanhar a jornada de Bruno desde seus primeiros contatos com o mundo jurídico. Vi o brilho em seus olhos quando ainda era um jovem que frequentava o fórum, e hoje, como memorialista desta história, registro com orgulho a trajetória de quem transformou sonhos em realidade.
Em meio a tantas emoções do dia da posse, Bruno faz uma reflexão carinhosa: 'O mais importante não são as fotos, que naturalmente capturam apenas fragmentos deste dia tão especial, mas o significado desta conquista que pertence a todos que fizeram parte da minha jornada. Cada pessoa que esteve presente, cada abraço recebido, cada mensagem enviada - tudo isso compõe o mosaico desta realização. As imagens podem ser limitadas, mas a gratidão que carrego no coração abraça a todos que, de alguma forma, contribuíram para que eu chegasse até aqui.
Bruno Fontinele, o menino que cresceu transformado pela educação e hoje se torna Defensor Público, é a prova viva de que, com determinação, fé e trabalho duro, os sonhos não apenas se realizam, mas transcendem, impactando positivamente toda a sociedade. Sua jornada nos lembra que, independentemente de onde viemos, todos temos o poder de moldar nosso destino e, no processo, iluminar o caminho para outros.
1ª Conferência do Meio Ambiente promovida pela Escola José Francisco da Silva, no ano de 2004. Bruno é o garotinho de blusa azul
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Com os servidores da comarca de Plácido de Castro-AC
*Paulo Roberto é Técnico Judiciário, servidor público lotado na comarca de Plácido de Castro-AC. São 30 anos de história.
Fontes: